Na escrita hieroglífica, um mesmo signo – um homem levando a mão à boca – significa tanto “falar” quanto “comer”. Portanto, os antigos egípcios tinham consciência da ligação entre estas duas “oralidades”, a emissão das palavras e a absorção de alimentos, e da relação primordial que existe entre a vida e a nutrição, a ponto de os termos serem quase sinônimos na linguagem “real”, assim como metafórica.
A saúde e a longevidade dependiam, no seu ponto de vista, dos prazeres da mesa. Se os “ensinamentos morais” dos sábios recomendavam controlar a higiene alimentar, o senso comum, todavia, preconizava que a pessoa que comesse muito não poderia deixar de ter boa saúde.
Assegurar a cada uma quantidade suficiente de alimentos representava uma garantia de ordem social para um Estado “ético” como aquele que reinava o faraó. É com certeza nessa respectiva que se deve interpretar a máxima de Ptahhotep, um sábio dos meados do terceiro milênio: “O homem que tem a barriga vazia é um [potencial] acusador.”, assim como o conselho dado pelo faraó Kheti a seu filho Merikare sobre a maneira de controlar rebeliões: “Um pobre pode se tornar um inimigo, um homem que passa necessidades pode se tornar um rebelde. Acalma-se uma multidão que se rebela com comida; quando a multidão está encolerizada, devemos encaminhá-la para o celeiro.”
As planícies do Nilo, periodicamente inundadas, produziam cereais em quantidade abundante e suficiente para consumo nacional e para exportação. O trigo e a cevada constituíam a base da alimentação e eram usados para a fabricação do pão e da cerveja; o pão de espelta era destinado às classes mais modestas.
Conhecemos a preparação da cerveja no antigo Egito graças às cenas pintadas nas paredes de certas tumbas de particulares e às “maquetes” de cervejarias.
Todas as hortas produziam cebola, alho-poró e alho; a alface, às vezes muito grande, era consagrada, devido à sua forma, ao deus Min, protetor da agricultura e da fertilidade.
Laticínios, carne e peixe supriam os egípcios de proteínas animais. As águas generosas do Nilo alimentavam os ricos e os pobres. As várias cenas de pesca, representadas nas tumbas a partir do Alto Império, mostram uma grande variedade de peixes como o sargo, a tilápia, o peixe-gato, a carpa, o barbo e a enguia.
Colhia-se mel sobretudo no delta, onde as culturas muito extensas ofereciam um meio propício às abelhas e à apicultura. A utilização de plantas aromáticas na cozinha e na medicina é comprovada por diversas fontes: o zimbro, o anis, o coentro, o cominho, o funcho, o feno-grego com odor de curry e os grãos de papoula. (FLANDRIN, Jean-Louis MONTANARI, Massimo, História da alimentação, São Paulo, ed. Estação Liberdade)
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