segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A importância da alimentação no progresso humano - Parte II

"Acredita-se, geralmente, que o comportamento alimentar do homem distingui-se do dos animais não apenas pela cozinha - ligada, em maior ou menor grau, a uma dietética e a prescrições religiosas -, mas também pela comensalidade e pela função social das refeições. 


A partir do início do terceiro milênio na Suméria ou, no mais tardar, no segundo milênio em outras regiões da Mesopotâmia e da Síria, inúmeros textos comprovam a existência de banquetes com ritos precisos. Embora eles descrevam principalmente os banquetes dos deuses ou dos príncipes, referem-se também às festas das pessoas comuns. Comer e beber juntos já servia para fortalece a amizade entre os iguais, para reforças as relações entre senhor e vassalos, seus tributários, seus servidores e, até, os servidores de seus servidores. Da mesma forma, em um nível social mais baixo, os mercadores selavam seus acordos comerciais na taberna, diante de uma "panela". 

(...)

Temos notícias de outros banquetes, no Egito, já no antigo império, e podemos ver a evolução que aí tiveram a mesa, os assentos, os utensílios e as maneiras dos convivas. No Egito, como na Mesopotâmia, as festas obedeciam, já a muito tempo, a ritos precisos e a um cerimonial estrito - pelo menos no que se refere aos deuses e aos reis.

Mas foi preciso esperar o terceiro milênio e a constituição dos grandes impérios orientais, ou mesmo o advento da criação de animais e da agricultura - pré-requisitos necessários para essas organizações politicas - para que o banquete passasse ater função social? Certamente, não.

(...) No paleolítico superior estruturou-se uma organização sócio-econômica, que reunia várias famílias, para tocar rebanhos inteiros de grandes animais em direção a armadilhas. Isso necessariamente implicava uma partilha da carne entre as famílias que tinham contribuído para a caça, tarefa, sem dúvida, coletiva; em alguns momentos ao menos, depois da caça, por exemplo, é provável  que grandes festas reunissem essas familias para consumirem juntas uma parte da caça abatida.

Remontemos a uma época ainda mais antiga, cerca de 500 mil anos a.C., quando o homem começou a usar diariamente o fogo para cozer os alimentos: a preparação dos alimentos em um fogo coletivo favorecia o seu consumo em comum, donde a função social da refeição e o desenvolvimento da comensalidade.

Isso quer dizer que não havia refeição em comum nem outro laço entre os indivíduos antes do surgimento da cozinha? Não podemos estar certos disso.

Com o risco de cair num antropomorfismo descabido, pode-se perceber, nas refeições das próprias feras, um prazer em comer junto, uma certa cumplicidade atenta a uma clara hierarquia, que comporta precedências, e uma espécie de etiqueta adaptada a sua sociedade - coisas que, em vão, procuraríamos no comportamento dos herbívoros.

Teria, assim, a carne fresca recém-abatida, antes mesmo do aparecimento do homem, instituído o banquete?" 

(FLANDRIN, Jean-Louis MONTANARI, Massimo, História da alimentação, São Paulo, ed. Estação Liberdade)

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